A Otorrinolaringologia esteve desde os primórdios profundamente envolvida com a criação da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da UNICAMP. Gabriel Oliveira da Silva Porto e Paulo Mangabeira Albernaz mobilizaram a sociedade campineira e atuaram decisivamente na realização deste grande projeto que a comunidade de Campinas tanto desejava.
Em 1963, sob a coordenação do eminente Dr. Gabriel Porto e tendo como docente contratado o Dr. Raul Renato Guedes de Melo, organizou-se o Serviço de Otorrinolaringologia. Estes pioneiros incansáveis conseguiram em pouco tempo o apoio da administração da Santa Casa de Misericórdia e nesta instituição, em um espaço próprio conhecido como “Sala 9”, passou a funcionar o Serviço em 1968. Estava criada a Disciplina de Otorrinolaringologia da FCM.
Equipada com doações dos médicos que nela trabalhavam, a Sala 9 conceituava-se como um local de excelência no panorama da Faculdade, quer pelo esmero de suas instalações, quer pela colaboração voluntária de ilustres otorrinolaringologistas da cidade como o Dr. Manoel Afonso Ferreira, Dr. Luiz Gastão Mangabeira Albernaz e Dr. Celso Guimarães, além dos novos docentes Dr. George Eduardo Câmara Bernardes e Dr. Sinézio Dechichi.
Faceando um agradável pátio interno no andar térreo do corredor da Santa Casa que levava à Cantina do Mário, efervescente centro social da FCM naqueles saudosos anos, aquela grande sala continha o ambulatório com quatro consultórios contíguos abertos, uma sala para pequenos procedimentos cirúrgicos e outra para alojar materiais e equipamentos, onde também eram feitas microcirurgias otológicas experimentais.
Gabriel Porto circulava com grande desenvoltura na comunidade científica de seu tempo. Guedes de Melo e Dechichi desenvolviam respectivamente as atividades de microcirurgia da laringe e cirurgia de cabeça e pescoço, suas áreas de eleição. George Bernardes dedicava-se ao ensino da Otologia. Oscar Maudonnet foi o primeiro residente e, ao finalizar seu treinamento, tornou-se responsável pela área de Otoneurologia.
O Serviço de Otorrinolaringologia atendia toda a demanda da especialidade, de forma abrangente, na otologia, rinologia, endoscopia peroral e cirurgia da cabeça e pescoço.
Com a finalidade de complementar o treinamento na residência médica da disciplina, foi firmado em 1969 um convênio entre a FCM e o Instituto Penido Burnier. Eram dois residentes – um financiado pela UNICAMP e o segundo, com verbas da Fundação Afonso Ferreira da Clínica de Otorrinolaringologia do Instituto Penido Buernier.
Em 1973, o trabalho interdisciplinar motiva Gabriel Porto a fundar o Centro de Reabilitação de Surdos e Cegos que, posteriormente, adota o nome de seu fundador. A vitalidade da Sala 9 era crescente.
A partir de 1974, novos docentes trazem perspectivas diferentes. Chegaram ao Serviço Ester Maria Danieli Nicola, que viria a implantar um destacado núcleo de assistência e pesquisa na aplicação do laser de CO2 em Medicina, e Luiza H. Endo, que se destacaria no desenvolvimento pioneiro da Otorrinolaringologia Pediátrica no Brasil. Atendia-se em média 60 pacientes por semana e dispunha-se de duas manhãs no centro cirúrgico do Hospital Irmãos Penteado, que também disponibilizava seus anestesistas.
Em novembro de 1976 Gabriel Porto falece interrompendo prematuramente sua florescente carreira. Raul R. Guedes de Mello assume a chefia da disciplina, a qual exercerá até sua aposentadoria em 1996.
A progressiva complexidade da Otorrinolaringologia determinou a necessidade de ampliar o quadro docente. Jorge Rizzato Paschoal implantou o Serviço Multidisciplinar de Cirurgia da Base do Crânio e Nervo Facial, pioneiro entre as escolas de Medicina. Ariovaldo Armando da Silva desenvolveu o Serviço de Audiologia e Distúrbios da Comunicação Humana. O fortalecimento da disciplina e sua plena organização determinou o encerramento do convênio com o Instituto Penido Burnier em 1982.
Em 1986, a disciplina de Otorrinolaringologia transferiu-se para o recém-inaugurado Hospital de Clínicas da UNICAMP. A Sala 9 fechou suas portas deixando marcas profundas em todos que por lá passaram. Sua história confunde-se com a respeitada figura de D. Adelaide que, a um só tempo atendente de enfermagem, gerente, conselheira, orientadora, muitas vezes professora, era impecável na manutenção de sua excelência.
Mais uma vez pioneira, a Otorrinolaringologia foi das primeiras a se instalar no Campus da Universidade. As novas instalações motivaram total reestruturação do serviço. Alguns anos depois, Reinaldo Jordão Gusmão é contratado, reorganiza e dá novo impulso ao Serviço de Laringologia enquanto Agrício Nubiato Crespo moderniza o Serviço de Cabeça e Pescoço.
As atividades de pós-graduação, iniciadas de forma tímida a partir de 1987, contribuíram de forma positiva para as atividades de pesquisa. Inicialmente junto ao Curso de Neurociências e, posteriormente, ao Curso de Ciências Médicas, contamos hoje com a área de concentração em Otorrinolaringologia.
A vocação interdisciplinar e o pioneirismo da disciplina em relação aos avanços técnico-científicos são evidenciados em sua história através da participação ativa na criação do Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação – CEPRE, e na introdução das cirurgias com laser de CO2 na prática otorrinolaringológica, há mais de duas décadas. Esta visão continua presente em várias áreas, dentre as quais se destacam as Cirurgias Endoscópicas Minimamente Invasiva dos Tumores da Laringe, as Cirurgias da Base de Crânio, o Serviço de Reabilitação Vocal, o desenvolvimento pioneiro da Otorrinolaringologia Ocupacional, além do pujante Serviço de Implante Coclear.
A contratação de médicos que atuam decisivamente nas atividades de ensino, pesquisa e assistência permite compensar a política de restrição da ampliação do quadro docente.
A disciplina conta ainda com o importante trabalho voluntário de vários médicos e outros profissionais da saúde, que atuam nos diferentes níveis de reabilitação de pacientes com doenças ou sequelas na área de atuação da Otorrinolaringologia.
Nossa disciplina permanece crescendo e com atuação efetiva nas áreas de docência, pesquisa e prestação de serviços à comunidade, realizando aproximadamente 40 mil consultas e 2.400 cirurgias por ano. Estendeu suas atividades ao Hospital de Divinolândia, ao Hospital Estadual de Sumaré e ao Complexo Hospitalar Ouro Verde, assegurando a qualidade da formação de seus médicos-residentes. Nos últimos anos seu programa de Residência tem atraído alunos de graduação de faculdades por todo o país.